Beira Alta – antiga província de Portugal

Beira Alta

É uma antiga província portuguesa, formalmente estabelecida pela reforma administrativa de 1936 e extinguida pela Constituição da República Portuguesa de 1976.

A região da Beira Alta confina com as regiões de

Trás-os-Montes e Alto Douro a norte;

Douro Litoral a noroeste;

Beira Litoral a oeste e sudoeste;

– e Beira Baixa a sul.

Faz fronteira com Espanha, a leste.

Abrange cerca de 8500 km2 e compreende 33 concelhos: 18 do distrito de Viseu, 13 do distrito da Guarda e dois do distrito de Coimbra.

 

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As serras…

Região planáltica, de média altitude, cortada por vales fluviais e cingida por serras (Estrela, Montemuro, S. Macário, Gralheira, Caramulo e Buçaco) apresenta uma diversidade climática, registando temperaturas consideravelmente baixas no Inverno.

Embora atravessada por uma via férrea internacional (da Pampilhosa a Vilar Formoso) e por boas estradas, mantém ainda alguns concelhos com fraca acessibilidade, o que constitui um obstáculo ao seu desenvolvimento. As principais indústrias desta zona são os lanifícios, os lacticínios e o fabrico de produtos alimentares.

A Beira Alta apresenta, nos seus principais pratos típicos, o queijo da Serra da Estrela, as morcelas e farinheiras; o arroz de pato e o cabrito e a vitela assados; castanhas, servidas em confecções variadas, as cavacas e o vinho do Dão.

Possui alguns dos melhores e mais sumptuosos solares de Portugal, sendo, depois do Minho, a região portuguesa onde se encontram mais construções solarengas.

Muitas são também as individualidades notáveis com que a Beira Alta tem contribuído para o engrandecimento do país, em todas as manifestações da atividade humana (intelectual, económica, política, etc.), de entre as quais se distinguem Frei Bernardo de Brito, Aquilino Ribeiro, Leite de Vasconcelos, Costa Cabral e Gabriel Fonseca. (1)

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A Serra da Estrela…

Sobre a Serra da Estrela, escreve Oliveira Martins em “Portugal – A Terra e o Homem”, «A Serra da Estrela é a mais alta das cordilheiras portuguesas;

– é o prolongamento da espinha dorsal da península;

– é a divisória das duas metades de Portugal, tão diversas de fisionomia e temperamento;

– e é finalmente como que o coração do país – e acaso nas suas quebradas e declives pelos seus vales e encostas, demora ainda o genuíno representante do Lusitano antigo.

Se há um tipo propriamente português; se através dos acasos da história permaneceu puro algum exemplar de uma raça ante-histórica onde possamos filiar-nos, é aí que o havemos de procurar, e não entre os Galegos ao norte do Douro, nem entre os Turdetanos da costa sul, nem entre as populações do litoral cruzadas com o sangue de muitas raças e com os sentimentos de costumes das mais variadas nações». (texto adaptado)

 

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O Beirão – Homem da Beira

O homem da Beira, que o povo classifica de Serrano, possui as mais positivas e reais características do velho e glorioso Portugal.

De modo geral é forte, atlético, sendo que sua estatura varia entre 1,70 m. a 1,85 m., o que lhe empresta certa imponência e apresentação.

Respeitoso aos hábitos da terra, usa roupas de tecidos bem encorpados, camisa de linho, chapéu de aba larga e botas com saltos largos, chamados saltos à meia prateleira, não dispensando o guarda-chuva ou varapau.

Na época invernosa, calça tamancos forrados com baeta para manter os pés agasalhados do frio.

Esta indumentária que identifica o beirão dos povos de outras províncias portuguesas é religiosamente, mantida e só desaparece quando ele emigra para outras terras, conservando, todavia, os sentimentos tradicionais da sua franqueza e lealdade.

Homens de grande projeção intelectual e moral

Desde velhos tempos que a Beira Alta vem dando a Portugal e ao mundo, homens de grande projeção intelectual e moral, com representação na antiga Corte (…) onde se destacaram pelo seu saber, patriotismo e nobreza de sentimentos.

Foi da Beira Alta que saíram os mais destacados navegadores, brilhantes escritores, invencíveis e bravos guerreiros, exímios artistas, notáveis oradores, poetas insignes e Santos.

O Beirão dificilmente expande os seus sentimentos patrióticos, guarda-os, entretanto, no fundo do seu coração, mas a lembrança imorredoura do cantinho onde nasceu, tão romântico, tão bonito e tão diferente de todos os outros, não lhe sai do pensamento.

Quantos beirões que emigraram não tiveram a ventura de voltar ao rincão que os viu nascer?

Saudade…

Mesmo assim, sem outras perspetivas, o beirão não desanima, e quando encontra um conterrâneo recém-chegado dirige-lhe uma série interminável de perguntas. Quer saber dos parentes, dos amigos, das festas regionais e, quase sempre, termina com a clássica e saudosa exclamação: «Se Deus me ajudar ainda lá quero ir! … Não tenho mais parentes, é verdade, mas tenho saudades da minha terra», e esta palavra saudade, descrita pelos grandes filósofos, tem grande significação; mas proferida por um beirão, de mãos calejadas, quer dizer muito mais: quer dizer amor, paixão, sentimento, dedicação à terra e à família.

O beirão é um homem dedicado ao trabalho em ambiente de paz, mas se vir a Pátria ameaçada, levanta-se com bravura e heroísmo, de armas em punho, enfrentando qualquer inimigo que se opuser à sua passagem.

Nó conflito ·de 1914-1918, os filhos da Beira arregimentados nos quartéis de infantaria 14 e artilharia 7, na cidade de Viseu, lutaram com tanta coragem e sangue frio, que os próprios alemães os classificaram de grandes soldados.

E não tem sido somente nas linhas de batalha que os beirões se têm destacado.

Sacadura Cabral, o aviador

Sacadura Cabral o saudoso aviador, que tantos aplausos obteve do povo brasileiro, por ocasião da sua passagem pela Avenida Rio Branco, após haver praticado um dos mais heroicos feitos da aviação portuguesa. também escreveu uma linda página na história da Pátria.

E Sacadura é também um filho da Beira, e como este, a Beira Alta possui muitos outros que, na música, na pintura, nas letras e cm todos os setores da atividade se destacam, contribuindo para o engrandecimento do Portugal.

O Beirão possui estes predicados que o enobrecem perante os homens. É amigo do seu amigo, valente, dedicado, leal e, sobretudo, afetuoso.

Com estes magníficos sentimentos, o beirão encarna as figuras de Viriato e João da Cruz. Viriato que, com sua bravura, libertou a Beira, derrotando fragorosamente os romanos, formando a cidade de Viseu, capital ela linda e próspera província, cercada pelas serras da Estrela, Montemuro, Leonil e Caramulo e, João da Cruz, encarnando a valentia, a lealdade e o amor fraternal.

E são assim, os filhos da Beira, valentes, sinceros, trabalhadores amigos do progresso e, sobretudo, patriotas, que jamais esquecem a terra querida onde nasceram: PORTUGAL. (2)

Terras de Portugal – Beira Alta

Um pastor beirão

Conheceis a Beira Alta?

É uma fértil província, portuguesa de lei, que vê, a leste, a Serra da Estrela, com as suas neves; a oeste, o Caramulo, com a sua tristeza; e ao sul, o Buçaco, de gloriosa memória e de mística tradição.

É acidentado o solo, sucedendo-se às pequenas ondulações de terreno as colinas, os cerros e os montes, separados uns dos outros por quebradas e valeiros, onde sussurram as águas caídas das alturas.

As cumeadas ou são vestidas de urzes e ásperos tojos, ou são toucadas com a rama verde-negra dos pinheiros.

Mas tão rica de seiva é toda a terra, que nos lugares em que o machado debastou o pinhal, vedes logo aparecer a leira verdejante, que irá escorregando pela encosta até se casar com a farta cultura dos vales.

Aos soutos dos castanheiros de carcomido tronco, e aos pinhais e carvalhidos, segue-se aqui, o rico plaino animado pelo ribeiro e pelo moinho ruidoso, ali, a vinha a espreguiçar-se na encosta; mais acima, e longe e perto, a oliveira.

As aldeias e as gentes…

São tristes as aldeias, porque o granito beirão mal desbastado e enegrecido, lhes dá a cor de luto; e como elas, e como a oliveira, é triste o aspeto do país.

Não há as amplas planuras, em que a vista se deleita e se namora; nem os meandros da lisa corrente a luzir em longa fita, por entre as folhas salgueirais; nem o alvejar de muita casa branca, ao pendor das colinas; nem a laranjeira odorosa, enfileirada em pomares extensos, que fora do vale de Besteiros, somente encontrareis como beneficio atavio da casa do lavrador…

Mas na altura, no lugar vistoso, parecer-vos-á bem caiada a capela ou a igreja, meio escondida detrás das folhas de castanheiros, de carvalhos e de oliveiras.

São a devota alegria das povoações vizinhas; são a respeitada causa de festas e romagens, onde o povo troca, por sincera alegria, o ar sério e grave, que lhe é habitual.

Na Beira vereis a infância dos processos agrícolas; o homem a suar trabalhos, a mulher a lidar no campo, e até as crianças empregadas no duro serviço que só é devido aos braços.

Mas ao cair do dia, vê-los-eis alegres e contentes, apesar da fadiga de tantas horas.

Descobrir-se-ão diante de vós, e ouvi-los-eis dizer «Guarde-o Deus!» ou «Deus o salve!».

Da torre próxima da igreja descerá o toque das Avé -Marias, como bênção da tarde, que vem de cima, e, enquanto vão caminhando silenciosos e recolhidos na breve oração, só ouvireis as campainhas dos gados, que se recolhem ao redil.

E em tudo vereis a crença e a força, o trabalho e a paz, e essa sã virilidade que é o eterno louvor da natureza.

Silva Gayo (3)

Terras da Beira – Lafões (1921)

Terras da Beira - Lafões

“A região da Beira, que foi berço da nacionalidade portuguesa e dos seus homens mais notáveis, desde Viriato até nossos dias, é, incontestavelmente, uma das mais lindas regiões do país.

Considerada ´um jardim de caprichoso e estranho relevo, dentro dela, a região de Lafões, a três léguas de Viseu – a histórica capital da velha Beira – é justamente tida na conta do seu mais formoso canteiro, envolvido em uma luminosa policromia.

A majestade das suas montanhas alpestres sobre as quais pairam as águias altaneiras e onde murmura constantemente a fresca toada das límpidas correntes, despenhando-se em cascatas de prata, forma estranho contraste com a poética amenidade dos seus frondosos vales e das suas floridas veigas, onde o rouxinol, nos frondosos balseiros, responde à cristalina canção da camponesa entre os verdejantes milharais

No centro desta lindíssima região encontra-se a sua velha capital – Vouzela – que conta 462 anos como cabeça de comarca e cujo nome parece derivar dos dois rios, entre os quais se levanta – Vouga e Zela.

Pessoas ilustres

Esta vila foi berço de algumas figuras históricas, entre elas

– o jesuíta João Rodrigues,

S. Frei Gil, em volta do qual se escreveram curiosas lendas;

Moraes de Carvalho, ministro no reinado de D. Luís;

– dum filho daquele, do mesmo nome, e ainda vivo, também ministro no reinado de D. Carlos,

– e ainda, na opinião dalguns investigadores, foi em Vouzela que nasceu D. Duarte de Almeida, o celebre decepado de Toro, onde o seu heroísmo deu para uma das mais lidas e mais emocionantes páginas da nossa história antiga.

Possui a vila esplêndidos edifícios modernos e ainda alguns de construção antiga, de apreciável valor histórico.

Entre estes, destaca-se, no flanco sul da praça Moraes de Carvalho, o pequeno templo de S. Gil, a casa da Cavalaria, onde, segundo a tradição, nasceu D. Duarte de Almeida, «O Decepado» e ainda uma ponte romana sobre o Zela, em bom estado de conservação. (…)

Vouzela – Ponte romana sobre o rio Zela

Joaquim Rodrigues Lourenço. “ (4)

Fontes:

(1) Beira Alta. In Diciopédia X [DVD-ROM]. Porto : Porto Editora, 2006. ISBN: 978-972-0-65262-1

(2) «Terras da Beira – Coração de Portugal», de Tomás Lima, in “Duas Pátrias” – Julho de 1954 (texto editado)

(3) “Revista de Turismo” – nº 5 – 1916 (texto editado)

(4) “Ilustração Portuguesa”, nº794 – 1921